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segunda-feira, 24 de setembro de 2018

AO DIZERMOS “PAI NOSSO”, DEUS NOS ASSEGURA SEU AMOR PATERNO E SUA ACOLHIDA GRACIOSA, A DESPEITO DE NOSSO PECADO E VILEZA

Tampouco aleguemos que nossos pecados nos acusam e nos fazem apresentar nos diante de seu acatamento, os quais, ainda que ele seja o Pai clemente e terno, contudo o irritamos com nossas ofensas diariamente. Ora, se entre os homens o filho não poderia ter nenhum patrono melhor para pleitear sua causa junto ao pai, nenhum advogado melhor que pudesse reconciliá-lo com ele e recobrar-lhe o favor perdido, do que ele mesmo, suplicante e deprimido, reconhecendo a própria culpa, implore a misericórdia do pai; pois então porventura podem as entranhas paternas dissimular que se comovem diante de tais orações, justamente como esse “Pai de misericórdias e Deus de toda consolação” haverá de fazer? [2Co 1.3]. Quando a isto especialmente nos convida e insta, ouvidos às lágrimas e gemidos de seus filhos que a ele suplicam, porventura não atenderá, antes que a quaisquer súplicas de outros, a cujo auxílio por isso acorrem apavorados, não sem algum sinal de desespero, visto que não confiam na compaixão e clemência de seu Pai? Esta exuberância da compaixão paterna nos é pintada e representada na parábola [Lc 15.11-32] em que ao filho que se alheara dele, que os haveres lhe havia esbanjado dissolutamente, que contra ele gravemente transgredirá de todos os modos, o pai o recebe de braços abertos, nem mesmo esperando que com palavras rogue perdão; pelo contrário, ele próprio se antecipa, reconhecendo-o ao longe de regresso, corre-lhe deliberadamente ao encontro e o consola recebendo-o em seu favor. Pois, propondo este exemplo de tão grande compaixão a constatar-se no homem, ele quis ensinar-nos que devemos esperar dele liberalidade muito maior, não apenas como um Pai, mas como sobremaneira o melhor e mais clemente de todos os pais, desde que, embora filhos ingratos, rebeldes e réprobos, entretanto nos lançando à sua misericórdia. E se somos cristãos, para que mais segura fizesse a certeza de que ele nos é um Pai desse gênero, quis ser chamado não apenas Pai, mas expressamente Pai nosso, como se tratássemos com ele desta maneira: “Ó Pai, que de tão grande piedade és dotado para com teus filhos, de tão grande prontidão para perdoar, nós, teus filhos, te invocamos e suplicamos, seguros e francamente persuadidos de que de não nutres outro sentimento para conosco, senão paterno, por mais que sejamos indignos de um Pai como tal. Visto, porém, que as estreitezas de nosso coração não abarcam tão grande imensidade de favor, Cristo nos é não meramente o penhor e a garantia de nossa adoção, mas também por testemunha dessa mesma adoção que o Espírito nos dá, por meio de quem é próprio clamar, com voz desimpedida e sonora: Abba, Pai [Rm 8.15; Gl 4.16]. Daí, sempre que nos embaraçar alguma hesitação, lembremo nos de pedir dele que, corrigida nossa falta de ânimo, esse mesmo Espírito de firmeza de alma nos seja posto adiante como guia para orarmos ousadamente.

João Calvino