Portanto, chego ao segundo gênero de passagens, no qual jaz a principal dificuldade.
Paulo nada mais sólido tem para provar a justiça da fé do que o que escreve a
respeito de Abraão: sua fé lhe foi imputada para justiça [Rm 4.3; Gl 3.6]. Quando,
pois, se diz que o feito exibido por Finéias lhe fora imputado para justiça [Sl 106.31],
o que Paulo contende acerca da fé, nos é lícito arrazoar no que respeita às obras.
Conseqüentemente, nossos adversários, como se já pudessem dar-se por consumado,
estabelecem que, na verdade, sem a fé não somos justificados, porém nem somos
justificados por só ela, pois as obras é que completam nossa justiça.
Aqui eu insto com os piedosos que, se sabem que a verdadeira regra da justiça
unicamente da Escritura se deve buscar, que ponderem comigo religiosa e seriamente
como, sem cavilações, é possível conciliar corretamente consigo a própria
Escritura. Como se Paulo soubesse que a justificação pela fé é um refúgio para
aqueles que são destituídos de justiça própria, ele infere ousadamente que todos
quantos são justificados pela fé estão excluídos da justiça proveniente das obras.
Uma vez que, porém, é evidente que essa justificação é comum a todos os fiéis, com
igual confiança daqui Paulo estabelece que ninguém é justificado pelas obras, senão
que, antes, é justificado sem nenhuma corroboração das obras.
Entretanto, uma coisa é discutir o que por si mesmas valham as obras; outra, em
que lugar elas devem ser tidas após ser estabelecida a justiça pela fé. Se há de fixar
valor às obras em função de sua dignidade, dizemos que elas são indignas de ser
apresentadas ante a vista de Deus. Por isso o homem não tem obra alguma pela qual
gloriar-se perante Deus. Daí, despojado de todo e qualquer auxílio de obras, ele é
justificado unicamente pela fé. Esta, na verdade, é nossa definição de justiça: que,
recebido à comunhão de Cristo, o pecador é pela graça reconciliado com Deus,
enquanto que, purificado por seu sangue, obtém a remissão dos pecados e vestido de
sua justiça, como se fosse a sua própria, seguro se mantém diante do tribunal celeste.
Preposta a remissão dos pecados, as boas obras que ora se seguem têm outra
estimativa além de seu próprio mérito, visto que tudo quanto nelas há de imperfeito
é coberto pela perfeição de Cristo; tudo quanto de nódoas ou imundícies há é purificado
pela pureza dele, para que não venha à perquirição do juízo divino. Portanto,
obliterada a culpa de todas as transgressões pelas quais os homens são impedidos de
apresentar algo que seja aprazível a Deus, sepultado o vício da imperfeição que
também costuma aviltar as boas obras, são consideradas justas as boas obras que são
feitas pelos fiéis; ou, o que equivale ao mesmo, lhes são imputadas para justiça.
João Calvino
Escola Bíblica Conhecedores da verdade - O objetivo deste blog e levar você a conhecer a verdade que liberta de todo o Engano. Nesses últimos tempos, muito se tem ouvido falar do evangelho de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, porém de maneira distorcida e muitas vezes pervertida, com heresias disfarçada etc. “ ...e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” João 8.32