Portanto, assim como as obras dizem respeito aos homens, também a consciência
se reporta a Deus, de sorte que a boa consciência outra coisa não é senão a integridade
interior do coração. Neste sentido, Paulo escreve que o cumprimento da lei é o amor
nascido de uma consciência pura e de uma fé não fingida [1Tm 1.5]. Em seguida,
ainda no mesmo capítulo, ele mostra o quanto a consciência difere do mero conhecimento,
dizendo que alguns naufragaram da fé, visto que haviam abandonado a boa
consciência [1Tm 1.19]. Pois, com estas palavras ele indica que a consciência é a viva
disposição de servir a Deus e o sincero esforço de viver pia e santamente.
De fato, às vezes a consciência se estende também até os homens, como quando
o mesmo Paulo testifica em Lucas que se havia esforçado por andar com boa consciência
em relação a Deus e aos homens [At 24.16]. Mas, por isso foi dito isto:
porque os frutos de uma boa consciência emanam e chegam até os homens. Mas,
falando apropriadamente, a consciência contempla somente a Deus, como eu já
disse. Daqui sucede dizer que uma lei liga a consciência, quando simplesmente
obriga o homem, sem levar em conta os demais homens, como se somente tivesse a
ver com Deus. Por exemplo, Deus não só preceitua conservar casto e puro o coração
de toda sensualidade, como também proíbe toda e qualquer obscenidade de palavras
e licenciosidade exterior. Minha consciência está sujeita à observância desta
lei, mesmo quando nenhum homem vivesse no mundo. Daí, aquele que se conduz
desregradamente peca não só porque dá mau exemplo aos irmãos, mas também tem
a consciência jungida pela culpa diante de Deus.
Outro é o principio nas coisas por si mesmas indiferentes. Ora, se elas produzem
algum tropeço, devemos abster-nos, porém de livre consciência. Assim Paulo
fala a respeito da carne consagrada aos ídolos. “Se alguém”, diz ele, “tiver escrúpulo,
não coma, por motivo de consciência, consciência, digo, não a tua, mas a do
outro” [1Co 10.28, 29]. Pecaria o homem fiel que, avisado previamente, não obstante
comesse carne dessa espécie. Mas, por mais que a abstenção lhe seja imperativa
pelo respeito do irmão, como é prescrita por Deus, entretanto não deixa de reter a
liberdade da consciência. Vemos como esta lei, obrigando o ato exterior, deixa livre
a consciência.
João Calvino