Não desejo considerar um a um os testemunhos que os sorbonistas caprichosos
tomam inconsideradamente, e à revelia, da Escritura, segundo se lhes apresentam,
com o fim de nos combater. Ora, alguns desses testemunhos são tão ridículos que
nem eu mesmo posso mencioná-los, a menos que queira ser tido, com razão, por
inepto. Portanto, concluirei esta matéria quando tiver explicado uma afirmação de
Cristo na qual sobremodo se comprazem. Pois, Cristo responde ao advogado que
indagava o que seria necessário para a salvação: “Se queres entrar na vida, guarda
os mandamentos” [Mt 19.17]. Que mais queremos, dizem eles, quando pelo próprio
autor da graça nos é ordenado adquirir o reino de Deus mediante a observância dos mandamentos? Como se de fato não fosse evidente que Cristo tenha acomodado
suas respostas àqueles com quem via ter de tratar! Aqui ele é interrogado por um
doutor da lei quanto à maneira de obter-se a bem-aventurança; e não o faz de qualquer
maneira, mas fazendo com que os homens cheguem a ela. E não só a pessoa do interlocutor,
mas também a própria indagação induzia o Senhor a que assim respondesse.
Esse doutor da lei, imbuído da persuasão da justiça legal, estava obcecado na confiança
das obras; além disso, ele não indagava outra coisa senão quais eram as obras de
justiça com que a salvação é adquirida. Logo, com razão, ele é reencaminhado à lei, na
qual está o espelho absoluto da justiça. Nós, também, proclamamos com clara voz
que, se a vida é buscada nas obras, então que se guardem os mandamentos.
É necessário que os cristãos conheçam esta doutrina, porque, como buscariam
refúgio em Cristo, a menos que reconheçam que do caminho da vida caíram no
precipício da morte? Como, porém, compreenderiam quão longe se encontram extraviados
do caminho da vida, a não ser que antes compreendam de que natureza é
ele? Portanto, então finalmente, se tornam cônscios de que em Cristo se acha seu
refúgio de recobrar-se a salvação, quando discernem quão grande é a diferença de
sua vida com a justiça divina, que se contém na observância da lei.
Eis aqui a síntese: se a salvação for buscada nas obras, então eles têm que guardar
os mandamentos, por meio dos quais somos instruídos à justiça perfeita. Mas
não devemos deter-nos aqui, salvo se quisermos fracassar em meio à corrida, pois
nenhum de nós está apto a guardar os mandamentos. Portanto, uma vez que estamos
excluídos da justiça da lei, faz-se necessário que nos transportemos a outro refúgio,
isto é, à fé em Cristo. Por essa razão, como aqui o Senhor evoca a lei a um doutor da
lei a quem sabia estar inflado de vã confiança nas obras, da qual possa aprender ser
um pecador, sujeito ao tremendo juízo da morte eterna, assim, em outro lugar, omitida
a menção da lei, consola com a promessa da graça a outros que já foram quebrantados
com seu conhecimento desta natureza: “Vinde a mim todos os que estais
cansados, e estais sobrecarregados, e eu vos aliviarei, e achareis descanso para vossas
almas” [Mt 11.28, 29].
João Calvino
Escola Bíblica Conhecedores da verdade - O objetivo deste blog e levar você a conhecer a verdade que liberta de todo o Engano. Nesses últimos tempos, muito se tem ouvido falar do evangelho de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, porém de maneira distorcida e muitas vezes pervertida, com heresias disfarçada etc. “ ...e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” João 8.32