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sexta-feira, 21 de setembro de 2018

A PONDERAÇÃO PAULINA QUANTO AO USO DOS MANJARES SEM OFENSA À CONSCIÊNCIA, EM FUNÇÃO DO PROPÓSITO A QUE SERVEM

“Sei”, diz Paulo, “que nenhuma coisa de si mesma comum” – tomando comum no sentido de profano, “a não ser para aquele que a tem por comum; para esse é comum” [Rm 14.14]. Palavras com as quais ele sujeita à nossa liberdade todas as coisas externas, contanto que a nossas mentes a razão dessa liberdade esteja solidamente assentada em Deus. De fato, se qualquer opinião supersticiosa nos incita o escrúpulo, coisas que de sua própria natureza eram puras, para nós passam a ser contaminadas. Portanto, acrescenta: “Bem-aventurado aquele que a si mesmo não condena naquilo que aprova. Aquele, porém, que discrimina, se já comeu, é condenado, porque não come de conformidade com a fé. Com efeito, o que não é de conformidade com a fé é pecado” [Rm 14.22, 23]. Os que se deixam atingir por perplexidades deste molde, todavia ousam fazer qualquer coisa contra sua consciência, porventura não estão se afastando de Deus?261 Mas aqueles que se deixam afetar profundamente de algum temor de Deus, quando até eles próprios se vêem obrigados a cometer muita coisa que se contrapõe à sua consciência, são consternados de pavor e deitados por terra. Todos quantos agem assim não recebem os dons de Deus com ação de graças, único modo, segundo Paulo, de todas as coisas serem santificadas para nosso uso e serviço [1Tm 4.4, 5]. Contudo, tenho em mente a ação de graças procedente de uma alma que reconhece a benevolência e a bondade de Deus em suas dádivas. Ora, de fato muitos deles as entendem como sendo bênçãos de Deus das quais usam e louvam a Deus em suas obras. No entanto, uma vez que não tenham a persuasão de que lhes foram dadas, como dariam graças a Deus como sendo delas o doador? Vemos, pois, em suma, qual é o propósito desta liberdade, a saber: que usemos as dádivas de Deus para o propósito a que nos foram dadas por ele, com nenhum escrúpulo de consciência, com nenhuma perturbação de espírito, mercê de cuja confiança nossas almas não só tenham paz com ele, mas também reconheçam sua liberalidade para conosco. Pois aqui estão compreendidas todas as cerimônias de espontânea observação, para que as consciências não sejam constringidas a observálas pelo impulso da necessidade; ao contrário, lembrem que, pela benevolência de Deus, seu uso lhes foi concedido para edificação dos demais.

João Calvino