Tudo quanto devemos, e até absolutamente podemos pedir de Deus, temos descrito
nesta fórmula e, por assim dizer, regra de orar, ensinada pelo melhor dos mestres,
Cristo, a quem o Pai nos constituiu por professor e unicamente a quem quis que seja ouvido [Mt 17.5]. Ora, Cristo não só foi sempre sua eterna Sabedoria [Is 11.2],
mas também, feito homem, foi dado aos homens como o Anjo do grande conselho
[Is 9.6; 28.29; Jr 32.19]. E em todos os respeitos esta oração é tão absoluta, que
qualquer elemento estranho e alheio que lhe for acrescentado, que não possa ser-lhe
atribuído, seja ímpio e indigno de ser aprovado por Deus. Ora, ele prescreveu nesta
suma o que seja digno dele, o que lhe seja aceitável, o que nos seja necessário,
finalmente, o que ele mesmo quiser outorgar.
Por esta razão, os que ousam avançar mais longe e rogar a Deus algo além
dessas coisas, em primeiro lugar, na verdade, querem acrescentar de sua própria à
sabedoria de Deus, o que não pode ocorrer sem insana blasfêmia; em segundo lugar,
não se mantêm sob a vontade de Deus, pelo contrário, desprezada esta, em sua
incontida cupidez vagueiam mais distante; em terceiro lugar, jamais alcançarão algo,
uma vez que orem sem fé. Entretanto, não há de duvidar que todas as orações deste
cunho sejam feitas à parte da fé, visto que aqui está ausente a Palavra de Deus na
qual, salvo se a fé estiver sempre apoiada, de modo algum poderá manter-se. Mas os
que, desprezada a regra do Mestre, cedem a seus desejos, não só carecem da Palavra
de Deus, mas inclusive, quanto podem, se lhe opõem com todo o esforço. Por isso
foi que Tertuliano a chamou, não menos elegante que verdadeiramente, a oração
legítima, tacitamente indicando que todas as demais são contrárias e ilícitas.
João Calvino