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sábado, 1 de setembro de 2018

MORTIFICAÇÃO DA CARNE E VIVIFICAÇÃO DO ESPÍRITO, ELEMENTOS INTEGRANTES DO ARREPENDIMENTO

Em terceiro lugar, resta explicar o que significa dizermos que o arrependimento consta de duas partes, a saber: da mortificação da carne e da vivificação do Espírito. Isto, contudo, ainda que um pouco simples e vulgarmente de acordo com a capacidade e mentalidade do povo, o expõem com toda clareza os profetas, quando dizem: “Desiste do mal e faz o bem” [Sl 34.14; 37.27]; de igual modo: “Lavai-vos, sede limpos, removei de meus olhos o mal de vossas obras. Cessai de agir perversamente, aprendei a fazer o bem, buscai o juízo, vinde em socorro do oprimido” etc. [Is 1.16, 17]. Pois, quando mandam o homem retroceder da maldade, em seguida exigem a mortificaçãode toda a carne, a qual está saturada de maldade e de perversidade. Coisa mui difícil e árdua é despir-nos de nós mesmos e apartar-nos de nossa disposição natural. Ora, não se deve julgar que a carne já foi bem mortificada, a não ser que tenha sido abolido tudo quanto temos de nós próprios. Como, porém, todo afeto da carne é inimizade contra Deus [Rm 8.7], o primeiro passo para a obediência de sua lei é essa renúncia de nossa natureza.
Em seguida, os profetas assinalam a renovação do Espírito em termos dos frutos que daí se produzem, a saber: da justiça, do juízo e da misericórdia. Ora, na verdade, não terá sido bastante desincumbir-se corretamente de tais deveres, a não ser que a própria mente e o coração primeiro tenham se revestido do sentimento da justiça, do juízo e da misericórdia. Isto se dá quando o Espírito de Deus assim nos imbui a alma, embebida de sua santidade, não só de novos pensamentos, mas também de novos sentimentos, para que possa com razão ser tida por nova. E, na realidade, uma vez que por natureza estamos alienados de Deus, a menos que preceda a renúncia de nós mesmos, jamais nos inclinaremos àquilo que é reto. Por isso, com muita freqüência somos exortados a despir-nos do velho homem, a renunciar ao mundo e à carne, dando adeus a nossas concupiscências e sendo renovados no espírito de nosso entendimento [Ef 4.22, 23]. Com efeito, a própria palavra mortificação nos adverte de quão difícil é esquecer a natureza antiga, porque daqui inferimos que, não de outra maneira, somos conformados ao temor de Deus e aprendemos os rudimentos da piedade, mas também que, violentamente imolados pela espada do Espírito, somos reduzidos a nada. Como se Deus declarasse que, para que sejamos contados entre seus filhos, é necessário que nossa comum natureza seja destruída!

João Calvino