Quanto à confissão, sempre foi ingente a luta entre os canonistas e os teólogos escolásticos; estes a contenderem que a confissão é ordenada por preceito divino,
aqueles a protestarem que ela se preceitua apenas de ordenanças eclesiásticas. Com
efeito, neste embate se fez manifesto o notório descaramento desses teólogos, que
corromperam e torceram à força tantas quantas passagens da Escritura que citavam
em abono de sua causa. E quando viram que de fato nem assim se podia obter o que
postulavam, os que queriam parecer mais argutos que os demais resvalaram neste
subterfúgio: que a confissão, no tocante à substância, é provinda do direito divino,
mas a forma ela a recebeu depois do direito positivo. Com efeito, é assim que os que
os são mais ineptos entre os formalistas atribuem a citação ao direito divino, porquanto
foi dito: “Adão, onde estás?” [Gn 3.9]; de igual modo a exceção, visto que
Adão respondeu, de modo a fazer exceção: “A esposa que me deste etc.” [Gn 3.12];
contudo, sustentam que a forma foi dada pelo direito civil a um e a outro desses dois
elementos forenses.
Vejamos, porém, com que argumentos provam eles que esta confissão, formada
ou informada, é uma ordenança de Deus. O Senhor, dizem eles, enviou os leprosos
aos sacerdotes [Mt 8.4; Mc 1.44; Lc 5.14; 17.14]. E daí? Porventura os enviou a
fazer confissão? Quem já ouviu que os sacerdotes levitas foram incumbidos a ouvir
confissões? Por isso recorrem a alegorias. Foi sancionado na lei mosaica que os
sacerdotes distinguissem entre lepra e lepra [Lv 14.1-32]. O pecado é a lepra espiritual.
Portanto, era ofício dos sacerdotes pronunciar-se a respeito. Antes que eu responda,
pergunto, de passagem, se esta referência os faz juízes da lepra espiritual,
por que arrogam para si o conhecimento da lepra natural e carnal? Evidentemente,
isso não equivale a zombar das Escrituras? A lei atribui aos sacerdotes levitas o
reconhecimento da lepra; então o usurpemos para nós; o pecado é a lepra espiritual;
então sejamos também juízes do pecado!
Agora respondo que, transferido o sacerdócio, ocorre necessariamente transferência
da lei [Hb 7.12]. Todas as funções sacerdotaisforam transferidas para Cristo;
nele se cumpriram e se consumaram. Portanto, para ele só se transferiu todo o direito
e honra do sacerdócio. Se gostam tanto de andar à caça de alegorias, então ponham
diante de si a Cristo por sacerdote único e que o tribunal lhe cumulem da livre
jurisdição de todas as coisas. Isso admitiremos facilmente. Além do mais, essa alegoria
é improcedente, a qual põe entre as cerimônias uma lei puramente civil.
Então, por que Cristo envia os leprosos aos sacerdotes? Para que os sacerdotes
não o acusassem falsamente de violar a lei, visto que ordenava se apresentasse perante
o sacerdote a pessoa curada de lepra e fosse purificada mediante um sacrifício
oferecido, ordena que os leprosos purificados fizessem as coisas que eram da lei.
“Ide”, diz ele, “mostrai-vos aos sacerdotes” [Lc 17.14] e “oferecei a oferenda que
Moisés preceituou na lei, para que lhes seja para testemunho” [Mt 8.4]. E de fato
este milagre lhes seria para testemunho: teriam que pronunciá-los leprosos, agora os pronunciam curados. Porventura não são obrigados, queiram ou não, a tornar-se
testemunhas dos milagres de Cristo? Cristo lhes permite verificar seu milagre. Não
o podem negar. Entretanto, porque relutam ainda a reconhecê-lo, este fato lhes é
para testemunho. Assim, em outro lugar: “Será pregado este evangelho em todo o
mundo como um testemunho a todos os povos” [Mt 24.14]. Igualmente: “Sereis
conduzidos à presença de reis e governadores para testemunho perante eles” [Mt
10.18], isto é, para que fossem mais fortemente convencidos no julgamento de Deus.
Ora, se preferem concordar com Crisóstomo, também ele ensina que Cristo fez
isso por causa dos judeus, para que não fosse tido por transgressor da lei. Se bem
que em coisa tão clara é de causar vergonha que se busque o apoio de algum homem,
ondeCristo declara deixar todo o direito legal aos sacerdotes, como a inimigos
confessos do evangelho, que estavam sempre predispostos a vociferar-lhe em
contrário, a não ser que lhes fosse fechada a boca. Portanto, se os sacerdotes papistas
desejam manter tal possessão e herança, que se declarem abertamente companheiros
daqueles que têm necessidade de que se lhes feche a boca para que não
venham a blasfemar contra Cristo, porque o que ele deixa aos sacerdotes da lei de
modo algum pertence aos verdadeiros ministros de Cristo.
João Calvino
Escola Bíblica Conhecedores da verdade - O objetivo deste blog e levar você a conhecer a verdade que liberta de todo o Engano. Nesses últimos tempos, muito se tem ouvido falar do evangelho de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, porém de maneira distorcida e muitas vezes pervertida, com heresias disfarçada etc. “ ...e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” João 8.32