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sábado, 1 de setembro de 2018

A NATUREZA REAL DO PECADO QUE NÃO TEM PERDÃO

Entretanto, para que se deslinde isto, é preciso inquirir o que constitui tão horrenda abominação desta natureza para a qual não haverá nenhuma remissão. Como Agostinho a define em algum lugar: a renitência obstinada até à morte, com a desesperança de perdão, não se enquadra suficientemente com as próprias palavras de Cristo: “Não haverá de ser perdoado neste mundo” [Mt 12.32]. Ora, ou isto se diz em vão, ou o pecado imperdoável pode ser cometido nesta vida. Mas, se essa definição de Agostinho é verdadeira, então ele não é cometido a não ser que persista até à morte. Outros dizem que peca contra o Espírito Santo aquele que inveja a graça conferida a um irmão. Não vejo de onde isso foi tomado. Apresentemos, porém, a definição verdadeira, a qual, no momento em que for comprovada com firmes testemunhos, por si só suplantará facilmente a todas as demais. Portanto, digo que pecam contra o Espírito Santo os que de tal maneira são tocados por ele que não podem pretender ignorância, e contudo resistem com deliberada malícia simplesmente por resistir. 42 Pois Cristo, a fim de explicar o que havia dito, acrescenta logo em seguida: “Quem disser uma palavra contra o Filho do Homem, isso lhe será perdoado; quem, no entanto, houver blasfemado contra o Espírito Santo, isso não lhe será perdoado.” E Mateus [12.31] põe em lugar de “blasfêmia contra o Espírito” a expressão “o Espírito de blasfêmia”. Como pode alguém lançar um ultraje ao Filho e, ao mesmo tempo, não se volte contra o Espírito? De fato, podem fazê-lo aqueles que, insipientes, atacam a verdade de Deus a si desconhecida, aqueles que, por ignorância, maldizema Cristo, possuídos, entrementes, deste espírito, que não queiram extinguir a verdade de Deus, lhes fosse ela revelada, ou ferir, com uma só palavra, esse a quem soubessem ser o Cristo do Senhor. Esses pecam contra o Pai e contra o Filho. Assim, muitos são hoje os que execram impiamente o ensino do evangelho, o qual, se soubessem ser do evangelho, estariam preparados para reverenciá-lo de todo o coração. Aqueles, porém, cuja consciência está convicta de que o que repudiam e impugnam é a Palavra de Deus, contudo, não cessam de impugná-la, lemos que esses blasfemam contra o Espírito, uma vez que estão a lutar contra a iluminação que é obra do Espírito Santo. Tais eram alguns dentre os judeus que, embora não pudessem resistir ao Espírito que falava através de Estêvão [At 6.10], no entanto porfiavam em resistir. Não há dúvida de que muitos dentre eles estavam fazendo isso arrebatados pelo zelo da lei; mas, é evidente, havia outros que se enfureciam contra o próprio Deus por maligna impiedade, isto é, contra um ensino que não desconheciam provir de Deus. Tais eram também os próprios fariseus, contra os quais o Senhor investe, os quais, com o fim de desacreditar o poder do Espírito Santo, o infamavam com o nome de “Belzebu” [Mt 9.34; 12.24]. Este, pois, é o espírito de blasfêmia, quandoa ousadia do homem se atira deliberadamente ao ultraje do nome divino. A isto acena Paulo, quando ensina haver alcançado misericórdia porque havia cometido tais transgressões em ignorância e por incredulidade [1Tm 1.13], em virtude da qual doutra sorte teria sido indigno da graça do Senhor. Se a ignorância unida com a incredulidade fez que ele obtivesse perdão, segue-se daqui que não há lugar para perdão onde à incredulidade se acrescenta o conhecimento.

João Calvino