Agora se lançam a um embate mais direto, enquanto lutam, segundo a si parecem,
com declarações expressas da Escritura: aqueles que vinham ao batismo de
João confessavam seus pecados [Mt 3.6], e Tiago [15.16] quer que confessemos os
pecados uns aos outros. Não é de admirar se os que desejavam ser batizados por
João confessassem seus pecados. Ora, eu disse anteriormente que João havia “pregado
o batismo do arrependimento” [Mc 1.4], isto é, havia batizado com água para
arrependimento. Logo, a quem teria ele batizado senão aqueles que confessassem
ser pecadores? O batismo é o símbolo da remissão de pecados, e quem deveria ser
admitido a este símbolo senão pecadores e os que se reconhecessem como tais?
Confessavam, portanto, seus pecados para que fossem batizados.
Não é sem razão que Tiago preceitua que nos confessemos uns aos outros. Com
efeito, se atentassem para o que imediatamente se segue, compreenderiam que também
isso lhes traria pouco respaldo. “Confessai”, diz ele, “vossos pecados uns aos
outros e orai uns pelos outros” [Tg 5.16]. E assim juntam a confissão mútua e a
oração recíproca. Se a confissão fosse somente aos sacerdotes, então somente por
eles se deve orar. Mais ainda: se seguiria das palavras de Tiago que ninguém mais
deveria confessar senão os sacerdotes. Ora, de fato, enquanto quer que nos confessemos
mutuamente, ele fala somente aos que podem ouvir a confissão dos outros.
Allh,loij [Allélois], diz ele: mutuamente, alternativamente, cada um por sua vez,
ou, se preferem, reciprocamente. Não podem, porém, confessar-se reciprocamente,
senão os que são idôneos para ouvir confissões. Uma vez que somente aos sacerdotes
dignam desta prerrogativa, também somente a eles relegamos nós o ofício de
confessar-se.
Portanto, que sejam alijadas tolices desse gênero e acolhamos o próprio sentido
do Apóstolo, que é simples e manifesto, a saber, que, de parte a parte, deponhamos
nossas fraquezas um no seio do outro, a fim de recebermos entre nós mútuo conselho, mútua compaixão, mútua consolação. Então, visto que somos mutuamente cônscios
das fraquezas fraternas, oremos por elas ao Senhor. Por que, pois, citam Tiago
contra nós, que insistentemente insistimos na confissão da misericórdia de Deus?
Mas, ninguém pode confessar a misericórdia de Deus, a não ser que antes tenha
confessado sua própria miséria. Antes, pelo contrário, pronunciamos ser anátema
todo aquele que não se confessar pecador diante de Deus, diante de seus anjos,
diante da Igreja, enfim, diante de todos os homens. “Pois o Senhor encerrou tudo
debaixo do pecado” [Gl 3.22], “para que toda carne feche a boca e se humilhe diante
de Deus, mas que somente ele seja justificado e exaltado” [Rm 3.4, 9, 19].
João Calvino