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quarta-feira, 19 de setembro de 2018

AS BOAS OBRAS, LONGE DE REVESTIR-SE DE MÉRITO PESSOAL, SÃO FRUTOS DA MUNIFICÊNCIA DIVINA, DOS QUAIS O HOMEM NÃO TEM COMO GLORIAR-SE

Portanto, quando os santos confirmam sua fé com sua inocência e tomam dela motivo para regozijar-se, não fazem outra coisa senão compreender pelos frutos de sua vocação que Deus os adotou por filhos. Logo, é ensinado por Salomão que “Que a sólida segurança está no temor do Senhor” [Pv 14.26]; que, para que sejam ouvidos pelo Senhor, às vezes os santos se servem desta alegação: eles têm andado diante de sua face em integridade e singeleza [2Rs 20.3]; e todas estas coisas valem para empregá-las como fundamento sobre o qual edificar a consciência; e só então, e não antes, valem quando se tomam como indícios e efeitos da vocação divina. Porque o temor de Deus nunca é tal que possa dar uma firme segurança; e os santos têm em si consciência de possuírem uma integridade que ainda está mesclada com muitos resquícios da carne. Mas uma vez que dos frutos da regeneração comprovam que o Espírito Santo habita neles, quando em algo de tão grande importância o experimentam no papel de Pai, daí se firmam profundamente a esperar o auxílio de Deus em todas as suas necessidades. E na verdade, nem isto podem fazer, a não ser que hajam primeiro apreendido a bondade de Deus, selada com base em nenhuma outra certeza senão a da promessa. Pois, se começam a avaliá-la pelas boas obras, nada será mais incerto, nem mais sem firmeza, uma vez que, se as obras são julgadas em si mesmas, por sua imperfeição não menos proclamarão a ira de Deus do que por sua pureza, por mais incompleta atestam sua benevolência. Enfim, de tal modo enaltecem os benefícios que receberam das mãos de Deus que de forma alguma se apartam de seu gratuito favor, no qual Paulo atesta que temos toda a perfeição em largura, comprimento, profundidade e altura [Ef 3.18]; como se dissesse que onde quer que ponhamos nossos sentidos e entendimento, por mais alto que se elevem, por mais longe e amplamente que se estendam, contudo, não devem afastar-se do amor de Cristo, senão que se satisfaçam por meditá-lo por inteiro, porquanto em si ele compreende todas as dimensões. E por isso diz o Apóstolo que esse amor excele e excede a todo conhecimento, e que quando reconhecemos quão excelsa mente Cristo nos amou, nos sentimos a transbordar até a plenitude de Deus [Ef 3.19]. Assim, como em outro lugar, enquanto se gloria de que os piedosos são vencedores em toda batalha, logo em seguida adiciona a razão: “por causa daquele que os amou” [Rm 8.37].

João Calvino