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sábado, 1 de setembro de 2018

AS EXPRESSÕES DE DESESPERO DOS ÍMPIOS LONGE ESTÃO DE ARREPENDIMENTO GENUÍNO E REAL

O fato de parecer a alguns excessivamente duro e estranho à clemência de Deus privar inteiramente da remissão a alguém que recorra a implorar a misericórdia do Senhor, isso se explica facilmente. Ora, o autor da Epístola aos Hebreus não está dizendo que o perdão lhes é negado, caso se voltem para o Senhor, mas apenas nega que possam chegar ao arrependimento, visto que, na realidade, em virtude de sua ingratidão, pelo justo juízo de Deus foram feridos de eterna cegueira. Nem a isso se contrapõe o fato de que o mesmo autor em seguida aplica a este propósito o exemplo de Esaú, que em vão tentara, com lágrimas e clamor, recuperar a primogenitura perdida [Hb 12.16, 17]. Esta ameaça do Profeta é do mesmo teor: “Quando clamarem, não darei ouvidos” [Jr 11.11; Zc 7.13]. Pois, com tais expressões não se designa verdadeira conversão nem genuína invocação de Deus, mas aquela ansiedade dos ímpios, compelidos pela qual são obrigados, em casos extremos, a levar em conta o que antes negligenciavam tranqüilamente, a saber, que neles não há bem algum, senão que todo bem está no favor divino, com o qual nos assiste. Mas não imploram esse favor senão quando percebem que o mesmo lhes foi subtraído. E assim outra coisa não tem o Profeta em mente pelo termo clamor [Zc 7.13], e o Apóstolo pelo termo lágrimas [Hb 12.17], senão aquele horrível tormento que de desespero abrasa e tortura os ímpios. Vale a pena observar isto diligentemente, pois de outra sorte Deus se poria em conflito consigo mesmo, o qual, através do Profeta, proclama que haverá de ser propício tão logo o pecador tenha voltado para ele [Ez 18.21, 22]. E, como eu já disse, o fato é que a mente do homem só se muda para melhor quando a graça divina a precede. Também, quanto à invocação do Senhor, sua promessa jamais enganará. Mas, chama-se impropriamente conversão e oração esse cego tormento pelo qual os réprobos são alijados quando sentem a compulsão de buscar a Deus para si, a fim de acharem remédio para suas misérias, e contudo, fogem de sua aproximação.

João Calvino