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sábado, 1 de setembro de 2018

ATÉ ONDE É RELEVANTE A CHAMADA PENITÊNCIA EXTERNA, ESPECIALMENTE O PRANTO E O JEJUM

Mas como alguns, ao ouvirem que em muitos lugares da Escritura, em geral, e particularmente em Joel [2.12], se faz menção do arrependimento com lágrimas, jejuns, vestidos de cilício e com cinzas sobre a cabeça, daí julgam que as lágrimas e os jejuns são os elementos primordiais do arrependimento. É preciso desfazer-lhes o erro. O que aí se diz da conversão do coração inteiro ao Senhor e do ato de rasgar não as vestimentas, mas o coração, é próprio do arrependimento. O pranto e o jejum, porém, não são impostos como seus efeitos perpétuos ou necessários; pelo contrário, têm sua aplicação em circunstâncias especiais. Porquanto o profeta havia vaticinado que desastre gravíssimo estava a ameaçar os judeus, aconselha-os a evitarem a ira de Deus, não apenas se arrependendo, mas exibindo mostras de seu pesar. Ora, assim como, para conciliar a misericórdia do juiz, o réu costuma inclinar-se diante dele suplicantemente, de barba comprida, cabelo desgrenhado, roupa de luto, assim também convinha fazer aqueles, quando fossem conduzidos como réus diante do tribunal de Deus, com o fim de desviar-lhe a severidade, mercê de miserável aparência. Mas, se bem que cinza e saco talvez se adequassem mais àqueles tempos, no entanto é evidente que entre nós mui oportuno haverá de ser o uso do pranto e do jejum, sempre que o Senhor parecer ameaçar-nos com algum flagelo ou calamidade. Pois quando faz aparecer um perigo, Deus assim se anuncia preparado e, por assim dizer, armado para o exercício da vingança. Portanto, bem faz o Profeta que exorta os seus ao pranto e ao jejum, isto é, à tristeza dos culposos, a respeito de cujos delitos pouco antes dissera que a sentença é passada. De igual forma, nem os pastores das igrejas haverão de fazer mal hoje, se ao verem a ruína pendente sobre os pescoços dos seus, bradarem a que se apressem ao jejum e ao pranto, desde que, como ponto principal, sempre insistam com eles com maior e mais intenso cuidado e ação a que, na verdade, rasguem seus corações, não as vestes [Jl 2.13]. É fora de dúvida que o jejum nem sempre está ligado ao arrependimento, mas que se destina especialmente a tempos calamitosos. Donde também é por Cristo associado com o luto [Mt 9.15], quando os apóstolos são libertados da necessidade, até que, privados de sua presença, fossem acabrunhados de tristeza. Estou falando do jejum solene, porque a vida dos piedosos deve ser temperada de frugalidade e sobriedade, de tal sorte ininterruptamente manifesta. Não obstante, uma vez que toda essa matéria haverá de ser de novo exposta onde se tratará da disciplina da Igreja, agora a abordo um tanto mais superficialmente.

João Calvino