Nessas três modalidades de confissão tem lugar o poder das chaves, ou, seja,
quando a igreja inteira implora perdão em solene reconhecimento de suas faltas; ou
quando uma pessoa que, por alguma transgressão notória, haja causado escândalo
geral atesta seu arrependimento; ou quando aquele que, em razão de perturbação da
consciência, necessita da assistência do ministro, lhe descobre sua fraqueza.
Quanto à reparação das ofensas e a reconciliação com o próximo, a questão é
distinta. Porque, ainda que também com isso se pretenda tranqüilizar as consciências,
contudo o fim principal é suprimir os ódios e para que os ânimos se unam em paz
e amizade [Ef 4.3]. Entretanto, não se deve, absolutamente, desprezar aquele beneficio
que citei, para que confessemos nossos pecados com maior disposição. Pois
quando toda a igreja como que se posta diante do tribunal de Deus, confessa-se
culpada e seu único refúgio se encontra na misericórdia de Deus, não vulgar ou leve
consolo é ter ali presente o embaixador de Cristo, munido do mandato de reconciliação,
por meio de quem ouça pronunciar-se sua absolvição [2Co 5.20]. Aqui se
recomenda com razão a utilidade das chaves, quando esta embaixada é desempenhada
corretamente, na ordem e com a reverência que convém. De igual modo,
quando, recebido o perdão, é restituído à unidade fraterna aquele que, de certa maneira,
se alienara da Igreja, quão grande beneficio é que se compreende estar perdoado
por aqueles a quem Cristo disse: “A todos quantos perdoardes os pecados na
terra, terão sido perdoados no céu!” [Mt 18.18; Jo 20.23].
Nem de menor eficácia ou proveito é a absolvição particular, quando é buscada
por aqueles que têm necessidade de um remédio especial para a remoção de sua
fraqueza. Ora, não raro sucede que aquele que ouve as promessas gerais, as quais se
destinam a toda a congregação dos fiéis, permanece, não obstante, em certa dúvida
e tem o espírito intranqüilo até então, como se ainda não fosse impetrada a remissão
de seus pecados. Se o mesmo revelou a seu pastor a ferida secreta de sua alma e
tenha dele ouvido, dirigida diretamente a si, esta mensagem do evangelho: “Perdoa dos são teus pecados; tem confiança” [Mt 9.2], à segurança firmará o ânimo e se
libertará dessa ansiedade de que antes ardia.
Mas, em se tratando das chaves, devemos guardar-nos sempre de não sonharmos
com algum poderseparado da pregação do evangelho. Em outro lugar, onde se
tratará do governo da Igreja, se haverá de explicar outra vez mais plenamente esta
matéria, e ali veremos que foi ligado à Palavra tudo quanto de direito conferiu Cristo
à sua Igreja para ligar ou desligar. Todavia, isso é superlativamente verdadeiro no
ministério das chaves, cuja toda força foi posta nisto: que a graça do evangelho é
pública e particularmente selada nas almas dos fiéis através daqueles a quem o Senhor
ordenou, o que não pode ocorrer senão unicamente pela pregação da Palavra.
João Calvino