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segunda-feira, 3 de setembro de 2018

SÍNTESE DA DOUTRINA ROMANISTA DA CONFISSÃO AURICULAR E DO PODER DAS CHAVES

O que prescrevem os teólogos romanistas? Determinam que todos, “de ambos os sexos”, imediatamente após chegarem aos anos de discernimento, confessem todos os seus pecados a seu próprio sacerdote, no mínimo uma vez ao ano; nem se perdoa o pecado, a não ser que tenha sido firmemente concebida a intenção de confessar-se, intenção que, oferecida ocasião, se não for levada plenamente a efeito por eles, já não lhes resta nenhum acesso ao paraíso. Além disso, afirmam que o sacerdote, na verdade, tem o poder das chaves, mercê das quais desliga e liga o pecador, visto não ser sem efeito a palavra de Cristo em Mt 18.18: “Tudo quanto houverdes ligado” etc. Todavia, em relação a este poder lutam entre si encarniçadamente. Uns dizem que em essência há uma única chave, a saber: o poder de ligar e desligar, que para o bom uso de fato se requer conhecimento apropriado dos pecados, mas esse conhecimento lhes é apenas à guisa de acessório, não lhe está ligado essencialmente. Outros, porque viam que esse era desbragamento demasiadamente desenfreado, enumeraram duas chaves: discernimento e poder. Outros, em contrapartida, como vissem com tal moderação coibir-se a improbidade dos sacerdotes, forjaram outras chaves: a autoridade de discernir, que usassem em fixar as penitências e o poder, que exercessem na execução de sua sentença, a acrescentar o conhecimento das faltas como conselheiro. Não ousam, porém, interpretar este ligar e desligar simplesmente no sentido de remitir e apagar pecados, uma vez que ouvem o Senhor a proclamar no Profeta: “Eu sou, e não há outro senão eu; sou eu, sou eu aquele que apaga tuas iniqüidades, ó Israel” [Is 43.11, 25]. Dizem, porém, ser função do sacerdote pronunciar os que tenham sido ligados ou desligados e declarar de quem os pecados tenham sido remitidos ou retidos, porém declará-lo ou mediante confissão, quando absolve e retém pecados, ou através de sentença, quando excomunga e recebe à comunhão dos sacramentos. Finalmente, quando compreendem que ainda não se desvencilharam deste obstáculo, ou, seja, que sempre é possível que sejam contestados de serem freqüentemente ligados e desligados por sacerdotes indignos, os quais, depois, não ligam ou desligam no céu, o qual é seu último refúgio, respondem que a outorga das chaves deve ser tomada com certa limitação: que Cristo prometeu que a sentença do sacerdote que for proferida com justiça perante seu tribunal haveria de ser aprovada, segundo o quê postulavam os merecimentos do ligado ou desligado. Sustentavam, ademais, que essas chaves foram dadas por Cristo a todos os sacerdotes, as quais lhes são conferidas pelos bispos em sua elevação ao sacerdócio, mas que seu livre uso só está na posse daqueles que desempenham funções eclesiásticas, junto aos excomungados e os suspensos do ofício sacerdotal permanecem de fato as próprias chaves, ainda que enferrujadas e atreladas. E os que dizem essas coisas podem, com justiça, parecer modestos e sóbrios acima de outros que, em nova bigorna, forjaram novas chaves, com as quais ensinam estar aferrolhado o tesouro da Igreja, chaves que discutiremos depois, em seu devido lugar.

João Calvino