esta graça de liberação do pecado ele promete através do batismo e a cumpre em
seus eleitos, atribuímos isso mais à culpa do que à própria substância do pecado.
De fato, Deus executa isso regenerando aos seus, de modo que neles é desfeito o
reinado do pecado, pois lhes subministra o poder do Espírito pelo qual se tornam
superiores e vencedores na luta. Mas o pecado deixa apenas de reinar, contudo, não
de habitar neles. Conseqüentemente, assim dizemos ter sido crucificado o velho
homem [Rm 6.6], que foi abolida nos filhos de Deus a lei do pecado [Rm 8.2]; no
entanto, que ainda neles ficam resquícios; não para que os dominem, mas para que
os humilhem pela consciência de sua fraqueza. E confessamos que esses resquícios,
na verdade, não nos são imputados, como se não existissem; mas sustentamos, ao
mesmo tempo, que isso se dá pela misericórdia de Deus, de sorte que os santos, que
de outra forma seriam merecidamente pecadores e culpados perante Deus, são liberados
dessa condição culposa.
Aliás, não nos será difícil comprovar esta opinião, quando sobre esta matéria
subsistem claros testemunhos da Escritura. Ora, haveremos de querer algo mais
explícito do que o que Paulo proclama na Epístola aos Romanos [cap. 7]? Em primeiro
lugar, aí ele fala na expressão do homem regenerado [Rm 7.6], como já demonstramos
em outro lugar, quanto Agostinho o estabelece com firmes razões. Deixo
de considerar o uso que faz dos termos mal e pecado. Ainda que zombem quanto
a esses termos, os que querem contraditar-nos, no entanto, quem nega que a oposição
à lei de Deus é um mal; quem nega que o impedimento da justiça é um pecado;
quem, enfim, não admite que subsiste culpa onde há miséria espiritual? Com efeito,
em relação a esta enfermidade de nossa natureza, todas estas coisas são proclamadas
por Paulo.
Em segundo lugar, temos da lei segura demonstração, mercê da qual toda esta
questão pode ser resolvida sumariamente. Pois se nos ordena amar a Deus de todo o
coração, de toda a alma, de todas as forças [Dt 6.5; Mt 22.37]. Uma vez que assim
importa que todas as partes da alma se ocupem do amor de Deus, é indubitável que
não satisfazem a este preceito aqueles que são capazes de acolher no coração a mais
leveinclinação, ou admitir no ânimo simplesmente qualquer pensamento que o afaste
do amor de Deus para a fatuidade. E então? Deixar-se afetar de súbitas emoções,
apreender com a sensibilidade, conceber na mente – essas não são, porventura, capacidades
da alma? Portanto, quando essas capacidades a si escancaram o acesso
aos pensamentos vãos e depravados, porventura não se mostram que são igualmente
vazias do amor de Deus? Portanto, todo o que não admita que todos os apetites da
carne são pecado, e que esta enfermidade da cobiça que em nós existe, e que é o
incentivo do pecado, é o manancial e a fonte do pecado, é necessário que negue que
a transgressão da lei é também pecado.
João Calvino