Total de visualizações de página

sábado, 1 de setembro de 2018

O PECADO JÁ NÃO REINA NO CRENTE, ENTRETANTO CONTINUA NELE A HABITAR

 esta graça de liberação do pecado ele promete através do batismo e a cumpre em seus eleitos, atribuímos isso mais à culpa do que à própria substância do pecado. De fato, Deus executa isso regenerando aos seus, de modo que neles é desfeito o reinado do pecado, pois lhes subministra o poder do Espírito pelo qual se tornam superiores e vencedores na luta. Mas o pecado deixa apenas de reinar, contudo, não de habitar neles. Conseqüentemente, assim dizemos ter sido crucificado o velho homem [Rm 6.6], que foi abolida nos filhos de Deus a lei do pecado [Rm 8.2]; no entanto, que ainda neles ficam resquícios; não para que os dominem, mas para que os humilhem pela consciência de sua fraqueza. E confessamos que esses resquícios, na verdade, não nos são imputados, como se não existissem; mas sustentamos, ao mesmo tempo, que isso se dá pela misericórdia de Deus, de sorte que os santos, que de outra forma seriam merecidamente pecadores e culpados perante Deus, são liberados dessa condição culposa.
Aliás, não nos será difícil comprovar esta opinião, quando sobre esta matéria subsistem claros testemunhos da Escritura. Ora, haveremos de querer algo mais explícito do que o que Paulo proclama na Epístola aos Romanos [cap. 7]? Em primeiro lugar, aí ele fala na expressão do homem regenerado [Rm 7.6], como já demonstramos em outro lugar, quanto Agostinho o estabelece com firmes razões. Deixo de considerar o uso que faz dos termos mal e pecado. Ainda que zombem quanto a esses termos, os que querem contraditar-nos, no entanto, quem nega que a oposição à lei de Deus é um mal; quem nega que o impedimento da justiça é um pecado; quem, enfim, não admite que subsiste culpa onde há miséria espiritual? Com efeito, em relação a esta enfermidade de nossa natureza, todas estas coisas são proclamadas por Paulo. Em segundo lugar, temos da lei segura demonstração, mercê da qual toda esta questão pode ser resolvida sumariamente. Pois se nos ordena amar a Deus de todo o coração, de toda a alma, de todas as forças [Dt 6.5; Mt 22.37]. Uma vez que assim importa que todas as partes da alma se ocupem do amor de Deus, é indubitável que não satisfazem a este preceito aqueles que são capazes de acolher no coração a mais leveinclinação, ou admitir no ânimo simplesmente qualquer pensamento que o afaste do amor de Deus para a fatuidade. E então? Deixar-se afetar de súbitas emoções, apreender com a sensibilidade, conceber na mente – essas não são, porventura, capacidades da alma? Portanto, quando essas capacidades a si escancaram o acesso aos pensamentos vãos e depravados, porventura não se mostram que são igualmente vazias do amor de Deus? Portanto, todo o que não admita que todos os apetites da carne são pecado, e que esta enfermidade da cobiça que em nós existe, e que é o incentivo do pecado, é o manancial e a fonte do pecado, é necessário que negue que a transgressão da lei é também pecado.

João Calvino