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quarta-feira, 19 de setembro de 2018

TODAS AS CAUSAS DE NOSSA SALVAÇÃO ESTÃO POSTAS NA GRAÇA, NÃO NAS OBRAS

Se, porém, atentarmos para as quatro modalidades de causas que os filósofos preceituam que se deve considerar na efetuação das coisas, nenhuma delas acharemos que se ajuste às obras para que nossa salvação se consuma. Pois, a Escritura por toda parte proclama que a misericórdia do Pai celeste e seu gracioso amor para conosco são a causa eficiente para adquirir-nos a vida eterna; a causa material é por meio de Cristo com sua obediência, mediante a qual adquiriu justiça para nós; e qual diremos ser a causa formal, ou também instrumental, senão a fé? E João compreende estas três, a um tempo, em uma sentença, quando diz “Deus amou ao mundo de tal maneira que deu seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” [Jo 3.16]. Mas o Apóstolo testifica que a causa final é não só a manifestação da justiça divina, como também o louvor de sua bondade, onde também traz à lembrança, em termos eloqüentes, as outras três. Pois assim fala aos romanos: “Todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus; porém são justificados gratuitamente por sua graça” [Rm 3.23, 24]. Aqui tens a cabeça e a fonte primeira da salvação: que Deus nos abraçou com sua graciosa misericórdia. Segue-se: “pela redenção que há em Cristo Jesus” [Rm 3.24]: aqui tens como que a matéria pela qual a justiça nos é consumada; “pela fé em seu sangue” [Rm 3.25]: aqui se mostra a causa instrumental, mercê da qual a justiça de Cristo nos é aplicada. Por último, acrescenta o fim quando diz: “para demonstração de sua justiça, para que ele seja justo e justificador daquele que é da fé em Cristo” [Rm 3.26]. E para que, de passagem, também denote que esta justiça consiste em reconciliação, diz expressamente: Cristo nos foi dado para nossa reconciliação. Assim também ensina, no primeiro capitulo da Epístola aos Efésios, que, de sua mera misericórdia, somos recebidos por Deus à graça, e isso se faz pela intercessão de Cristo, que pela fé todas as coisas são apreendidas para este fim: para que a glória da divina bondade resplandeça em toda plenitude [Ef 1.3-14]. Quando vemos todas as partículas de nossa salvação pairando assim fora de nós, como confiaremos e nos gloriaremos em nossas obras?
Nem mesmo os inimigos mais conjurados da graça divina podem nos mover controvérsia acerca da causa eficiente, nem acerca da causa final, a menos que queiram negar toda a Escritura. Nas causas material e formal infundem coloração enganosa, como se nossas obras mantivessem lugar partido ao meio com a fé e com a justiça de Cristo. Mas a Escritura protesta contra isso, a qual afirma simplesmente não só que Cristo nos é por justiça e vida, como ainda que este bem da justiça só se possui por meio da fé.

João Calvino