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sábado, 1 de setembro de 2018

AS CHAMADAS CAUSAS, EFEITOS OU FRUTOS DO ARREPENDIMENTO À LUZ DE 2 CORÍNTIOS 7.11

O Apóstolo, porém, na descrição do arrependimento [2Co 7.11], enumera sete causas ou efeitos ou partes; isso ele o faz com mui excelente razão. Ora, são elas: diligência ou solicitude, exame, indignação, temor, anelo, zelo, vindicação. Não deve parecer absurdo que não ouse estatuir se porventura se devam considerar causas ou efeitos, porque pode insistir-se numa e noutra coisa. Podem, ainda, chamar se disposições associadas com o arrependimento. Mas, uma vez omitidas essas questões, pode-se entender o que Paulo quis significar, estaremos contentes com uma exposição singela desta matéria. Portanto, diz ele que nossa solicitude provém “da tristeza que é segundo Deus” [2Co 7.10]. Ora, quem é tangido de profundo senso de insatisfação pessoal em razão de haver pecado contra seu Deus, ao mesmo tempo é estimulado à diligência e atenção, para que possa desvencilhar-se completamente dos laços do Diabo, e melhor se cuide contra suas ciladas, para que, depois, não arrede da direção do Santo Espírito, para que não seja calcado de falaciosa segurança. A próxima é a escusa, que nesta passagem não significa defesa pela qual o pecador, para esquivar-se ao juízo de Deus, ou nega haver transgredido, ou atenua a culpa, mas purgação, que foi polarizada mais na súplica de perdão do que na confiança de sua causa. Tal como os filhos não réprobos, enquanto reconhecem e confessam suas faltas, todavia, recorrem à suplica por perdão, e para alcançá-lo protesta de todos os modos possíveis dizendo que não honrou ao pai com a reverência que devia; em suma, se escusa, não para declarar-se justo e inocente, mas apenas para conseguir o perdão. Segue-se a indignação, pela qual o pecador vocifera interiormente consigo mesmo, irando-se e questionando consigo mesmo, enquanto reconhece sua perversidade e sua ingratidão para com Deus. Pelo termo temor Paulo entende aquela inquietude que se nos incute à mente sempre que refletimos não apenas o que realmente merecemos, mas também quão horrível é a severidade da ira divina contra os pecadores. Pois então somos necessariamente sacudidos de extraordinária inquietação, que tanto nos adestra à humildade quanto nos torna mais cautos para o futuro. Ora, se a solicitude de que havia faladoantes nasce do temor, vemos de que vínculo estes dois elementos se ligam entre si. Parece-me que ele usou anelo para exprimir a diligência no desempenho do dever e a prontidão de obedecer a que nos deve desafiar sobremaneira o reconhecimento de nossos delitos. A isso pertence também o zelo, que anexa imediatamente, pois o entende como o ardor de que somos inflamados quando estes aguilhões nos são aplicados: “O que eu fiz?” “Onde me teria precipitado, se não buscasse para mim abrigo na misericórdia de Deus?” A última é a vindicação: pois, quanto mais severos somos para conosco mesmos e de mais aguda crítica procedemos ao exame de nossos pecados, tanto mais devemos esperar que Deus seja mais propício e misericordioso. E de fato isso não pode acontecer senão quando a alma, abalada pelo horror do juízo divino, assume o papel do vingador, requerendo para si o castigo. Na verdade, os piedosos sabem por experiência o que é a vergonha, a confusão, a dor e o descontentamento consigo mesmos, e os demais sentimentos que nascem do sério reconhecimento dos pecados. Entretanto, nos lembraremos de que tudo isso deve ter uma medida, para que não nos devore a tristeza, pois nada é mais doloroso às consciências atemorizadas do que a queda no desespero. E também Satanás, com este estratagema, a todos quantos vê prostrados pelo medo de Deus, mais e mais os submerge nesse profundo sorvedourode tristeza, para que daí jamais emerjam. Realmente não pode ser excessivo o temor que acaba em humildade, nem se aparte da esperança de perdão. Entretanto, há sempre que acautelar-se, conforme o preceito do Apóstolo [Hb 12.3], para que, enquanto se atormenta à própria insatisfação, oprimido de temor desmesurado o pecador não desfaleça, pois deste modo Deus se vê retraído, o qual nos chama a si através do arrependimento. Acerca desta matéria, é também útil a advertência de Bernardo: “Necessária é a tristeza pelos pecados, se não for absoluta. Exorto-vos a retrocederdes, de quando em quando, do pesar e da ansiosa recordação de vossos caminhos e a vos passardes à planície da serena rememoração dos benefícios de Deus. Misturemos mel com absinto para que o salutar amargor possa dar saúde, quando houver de ser bebido temperado com a doçura misturada. Enquanto pensais humildemente em vós, pensai também na bondade do Senhor.”

João Calvino