O Apóstolo, porém, na descrição do arrependimento [2Co 7.11], enumera sete
causas ou efeitos ou partes; isso ele o faz com mui excelente razão. Ora, são elas:
diligência ou solicitude, exame, indignação, temor, anelo, zelo, vindicação. Não
deve parecer absurdo que não ouse estatuir se porventura se devam considerar causas
ou efeitos, porque pode insistir-se numa e noutra coisa. Podem, ainda, chamar se disposições associadas com o arrependimento. Mas, uma vez omitidas essas questões,
pode-se entender o que Paulo quis significar, estaremos contentes com uma
exposição singela desta matéria.
Portanto, diz ele que nossa solicitude provém “da tristeza que é segundo Deus”
[2Co 7.10]. Ora, quem é tangido de profundo senso de insatisfação pessoal em
razão de haver pecado contra seu Deus, ao mesmo tempo é estimulado à diligência
e atenção, para que possa desvencilhar-se completamente dos laços do Diabo, e
melhor se cuide contra suas ciladas, para que, depois, não arrede da direção do
Santo Espírito, para que não seja calcado de falaciosa segurança.
A próxima é a escusa, que nesta passagem não significa defesa pela qual o
pecador, para esquivar-se ao juízo de Deus, ou nega haver transgredido, ou atenua a
culpa, mas purgação, que foi polarizada mais na súplica de perdão do que na confiança
de sua causa. Tal como os filhos não réprobos, enquanto reconhecem e confessam
suas faltas, todavia, recorrem à suplica por perdão, e para alcançá-lo protesta
de todos os modos possíveis dizendo que não honrou ao pai com a reverência que
devia; em suma, se escusa, não para declarar-se justo e inocente, mas apenas para
conseguir o perdão. Segue-se a indignação, pela qual o pecador vocifera interiormente consigo mesmo,
irando-se e questionando consigo mesmo, enquanto reconhece sua perversidade
e sua ingratidão para com Deus. Pelo termo temor Paulo entende aquela inquietude
que se nos incute à mente sempre que refletimos não apenas o que realmente
merecemos, mas também quão horrível é a severidade da ira divina contra os pecadores.
Pois então somos necessariamente sacudidos de extraordinária inquietação,
que tanto nos adestra à humildade quanto nos torna mais cautos para o futuro. Ora,
se a solicitude de que havia faladoantes nasce do temor, vemos de que vínculo estes
dois elementos se ligam entre si.
Parece-me que ele usou anelo para exprimir a diligência no desempenho do
dever e a prontidão de obedecer a que nos deve desafiar sobremaneira o reconhecimento
de nossos delitos. A isso pertence também o zelo, que anexa imediatamente,
pois o entende como o ardor de que somos inflamados quando estes aguilhões nos
são aplicados: “O que eu fiz?” “Onde me teria precipitado, se não buscasse para
mim abrigo na misericórdia de Deus?”
A última é a vindicação: pois, quanto mais severos somos para conosco mesmos
e de mais aguda crítica procedemos ao exame de nossos pecados, tanto mais devemos
esperar que Deus seja mais propício e misericordioso. E de fato isso não pode acontecer senão quando a alma, abalada pelo horror do juízo divino, assume o papel
do vingador, requerendo para si o castigo. Na verdade, os piedosos sabem por experiência
o que é a vergonha, a confusão, a dor e o descontentamento consigo mesmos, e os demais sentimentos que nascem do sério reconhecimento dos pecados.
Entretanto, nos lembraremos de que tudo isso deve ter uma medida, para que
não nos devore a tristeza, pois nada é mais doloroso às consciências atemorizadas
do que a queda no desespero. E também Satanás, com este estratagema, a todos
quantos vê prostrados pelo medo de Deus, mais e mais os submerge nesse profundo
sorvedourode tristeza, para que daí jamais emerjam. Realmente não pode ser excessivo
o temor que acaba em humildade, nem se aparte da esperança de perdão. Entretanto,
há sempre que acautelar-se, conforme o preceito do Apóstolo [Hb 12.3], para
que, enquanto se atormenta à própria insatisfação, oprimido de temor desmesurado
o pecador não desfaleça, pois deste modo Deus se vê retraído, o qual nos chama a si
através do arrependimento.
Acerca desta matéria, é também útil a advertência de Bernardo: “Necessária é a
tristeza pelos pecados, se não for absoluta. Exorto-vos a retrocederdes, de quando
em quando, do pesar e da ansiosa recordação de vossos caminhos e a vos passardes
à planície da serena rememoração dos benefícios de Deus. Misturemos mel com
absinto para que o salutar amargor possa dar saúde, quando houver de ser bebido
temperado com a doçura misturada. Enquanto pensais humildemente em vós, pensai
também na bondade do Senhor.”
João Calvino