Certos anabatistas, nesta época, imaginam não sei que frenética imoderação em
lugar da regeneração espiritual, ou, seja, que os filhos de Deus, restaurados ao estado
de inocência, já não devem preocupar-se em refrear-se a libidinosidade da carne;
antes, importa seguir-se ao Espírito como o Guia, sob cuja ação nunca se transvia ao
erro. Seria incrível que a mente do homem cedesse a tal desvario, não fosse o fato de
que vociferam aberta e ostensivamente acerca deste seu dogma. Na verdade, isso de
fato é monstruoso, porém é justo que sofram tais castigos de sua sacrílega ousadia
os que induziram a mente a converter em mentira a verdade de Deus. Porventura se
cancelará assim toda escolha de indigno e honesto, de justo e injusto, de bom e mau,
de virtude e vício? Tal diferença, dizem eles, procede da maldição do velho Adão,
da qual fomos eximidos através de Cristo. Portanto, entre fornicação e castidade,
sinceridade e dolo, verdade e mentira, eqüidade e rapina, já não haverá nenhuma
diferença. “Deixa de lado”, dizem eles, “o fútil temor; o Espírito não ordenará nada
de mau, desde que, segura e intrepidamente, te confies à ação dele.”
Quem não se sentirá estupefato diante dessas monstruosidades? No entanto é a
filosofia popular entre aqueles que, cegados pela loucura das concupiscências, se
despojam do senso comum. Mas, indago eu, que Cristo eles nos forjam e que Espírito
arrotam? Ora, nós reconhecemos a um só Cristo e a um só Espírito, o Espírito
dele, a quem os profetas recomendaram e o evangelho proclama ser revelado, do
qual nada desse gênero aí ouvimos. Esse Espírito não é o patrono do homicídio, da
fornicação, da embriaguez, da soberba, da contenção, da avareza, da fraude; pelo
contrário, é o autor do amor, da pudicícia, da sobriedade, da humildade, da paz, da
moderação, da verdade. Não é um Espírito frenético e que inconsideradamente se
precipite ao que é certo e ao que é errado; ao contrário, pleno de sabedoria e entendimento,
em virtude do quê distingue corretamente entre o justo e o injusto. Não
instiga à licenciosidade dissoluta e desenfreada; pelo contrário, conforme discrimina
o lícito do ilícito, ensina a conservar comedimento e moderação.
Contudo, por que laboramos por mais tempo em refutar essa loucura bestial?
Aos cristãos, o Espírito do Senhor não é uma louca fantasia que eles próprios ou
engendraram em um sonho ou o receberam inventado por outros; pelo contrário,
buscam dele, religiosamente, o conhecimento das Escrituras, onde estes dois pontos
se ensinam a respeito dele: primeiro, que ele nos foi dado para santificação, a fim de
que, expurgados de imundícies e manchas, nos conduza à obediência da justiça
divina, obediência que não pode existir, salvo se forem domadas e subjugadas as
concupiscências, às quais estes querem soltar as rédeas; segundo, nos deixando
purificar por sua santificação que de muitas falhas e de muita fraqueza, sejamos
bloqueadas por quanto tempo estivermos encerrados na massa de nosso corpo.
Daí se segue que, distanciados da perfeição por longo intervalo, temos sempre de
necessariamente progredir; e, enredilhados em imperfeições, com elas lutar dia após
dia. Do quê também se segue que, alijada a indolência e despreocupação, importa
vigiar de ânimo atento, para que, desprevenidos, não nos deixemos rodear pelas insídias
de nossa carne. A não ser que estejamos confiantes em fazer maiores progressos
que o Apóstolo, que era ainda atormentado por um anjode Satanás [2Co 12.7], “desde
que o poder se aperfeiçoasse na fraqueza” [2Co 12.9], e que em sua própria carne
exibia, não disfarçadamente, essa separação de carne e espírito [Rm 8.2].
João Calvino
Escola Bíblica Conhecedores da verdade - O objetivo deste blog e levar você a conhecer a verdade que liberta de todo o Engano. Nesses últimos tempos, muito se tem ouvido falar do evangelho de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, porém de maneira distorcida e muitas vezes pervertida, com heresias disfarçada etc. “ ...e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” João 8.32