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terça-feira, 2 de outubro de 2018

A QUEDA DE ADÃO FOI PREORDENADA POR DEUS, E DAÍ A PERDIÇÃO DOS RÉPROBOS E DE SUA LINHAGEM

Negam que subsista em termos explícitos que por Deus foi decretado que Adão perecesse por sua apostasia. Como se realmente esse mesmo Deus, que a Escritura proclama “fazer tudo quanto quer” [Sl 115.3], haja criado a mais nobre de suas criaturas com um fim ambíguo! Dizem que foi apanágio do livre-arbítrio que ele próprio dispusesse seu destino; Deus, porém, não destinou nada, senão que o tratasse conforme seu mérito. Se tão insípida invenção for aceita, onde estará aquela onipotência de Deus pela qual, segundo seu conselho secreto, o qual de nenhuma outra coisa depende, a tudo governa e regula? Com efeito, queiram ou não, a predestinação se exibe em todos filhos de Adão. Pois por obra da natureza não pode acontecer que, pela culpa de um único ancestral, todos fossem subtraídos da salvação. Que os proíbe de confessar em relação a um homem o que, relutantes, admitem em relação a todo o gênero humano? Ora, por que perderiam o trabalho tergiversando? A Escritura proclama que na pessoa de um só homem todos os mortais foram entregues à morte eterna [Rm 5.12-18]. Isto, como não se pode imputar à natureza, mui longe de obscuro é que proceda do admirável conselho de Deus. É assaz absurdo que esses bons patronos da justiça de Deus fiquem perplexos diante de uma varinha, contudo saltem por sobre altas vigas! De novo, pergunto: Donde vem que tanta gente, juntamente com seus filhos infantes, a queda de Adão lançasse, sem remédio, à morte eterna, a não ser porque a Deus assim pareceu bem? Aqui importa que suas línguas emudeçam, de outro modo tão loquazes. Certamente confesso ser esse um decreto espantoso. Entretanto, ninguém poderá negar que Deus já sabia qual fim o homem haveria de ter, antes que o criasse, e que ele sabia de antemão porque assim ordenara por seu decreto. Se alguém aqui investe contra a presciência de Deus, tropeça temerária e irrefletidamente. Ora, pergunto, por que se haja de ter o Juiz celestial culpado pelo fato de não ignorar o que haveria de acontecer? Por isso mesmo, se existe razão para queixa, ou justa ou ilusória, compete à predestinação. Nem deve parecer absurdo o que digo: Deus não só viu de antemão a queda do primeiro homem e nela a ruína de sua posteridade, mas também as administrou por seu arbítrio. Pois, como pertence à Sua sabedoria ser presciente de todas as coisas que haverão de acontecer, assim cabe ao seu poder com sua mão a tudo reger e regular. E também desta questão, como de outras, Agostinho dispõe magistralmente: “Confessamos ser mui saudável o que mui acertadamente cremos: que o Deus e Senhor de todas as coisas, que tudo criou muito bom[Gn 1.31], e viu de antemão que das coisas boas coisas más haveriam de surgir, e contudo conheceu por sua onipotente bondade ser mais pertinente fazer benefícios dos males do que não permitir que as coisas más viessem à existência, assim ordenou a vida de anjos e homens para que nela manifestasse antes o que pudesse o livre-arbítrio, e então o que pudesse o benefício de sua graça e o juízo de sua justiça.”

João Calvino